Transcrevo a interessantíssima entrevista com o grande escritor Georges Simenon. A entrevista foi publicada no site da L&PM Editores. Ganhe uns minutos e leia, cabrones! Leia no 500, ou vá direto ao site da
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É verdade que você é o autor mais lido, depois de Marx?
SIMENON – Segundo as estatísticas da Unesco, sim. Mas, há outros, além de Marx, mais lidos do que eu.
Quais são?
SIMENON – A Bíblia e Lênin, que são mais lidos do que Marx também.
Onde você tem mais leitores?
SIMENON – Nos Estados Unidos e na União Soviética.
Mais mulheres ou mais homens?
SIMENON – Tomando como ponto de referência as cartas que recebo, é meio a meio.
O que lhe dizem as mulheres nas cartas?
SIMENON – Fazem confidências e pedem conselhos.
E os homens?
SIMENON – Contam-me os seus problemas. São, sobretudo, médicos e psiquiatras.
Mais lido pelos jovens ou pelos menos jovens?
SIMENON – Dos treze aos oitenta anos.
Pelos intelectuais ou pelo homem médio?
SIMENON – Por estes e por aqueles.
Como se desenvolve a sua inspiração literária?
SIMENON – Jamais tive inspiração literária.
Você se define como um artesão, eu sei. Por quê?
SIMENON – Porque eu, efetivamente, trabalho como um artesão. Sento-me à mesa de trabalho – isto é, na poltrona – numa hora determinada, trabalho um determinado tempo e, só depois de cumprir o expediente, me levanto.”
Onde termina o artesanato e começa a arte?
SIMENON – É muito difícil dizer.
Por quê?
SIMENON – No artesanato, seguidamente, tem arte, e na arte tem artesanato.
Acredita no estado de graça?
SIMENON – Acredito no escritor se desfazer da sua pele e entrar na pele do personagem.
Ainda diria a frase que disse certa vez: "Não sei e não saberei jamais se tenho talento"?
SIMENON – Sim. O talento é algo que avaliam os pósteros e não os contemporâneos.
Mas o que é o talento?
SIMENON – É a capacidade de inventar um caráter, uma situação, uma paisagem.
Escritor é só aquele que se faz ler?
SIMENON – E quem mais seria?
A desenvoltura faz o perfeito narrador?
SIMENON – Sempre se deve escrever como se fala.
E fácil escrever fácil?
SIMENON – Não. É dificílimo.
E as suas relações com os adjetivos?
SIMENON – Péssimas. Odeio-os, como também detesto os advérbios. Aborrecem-me os enfeites e as lantejoulas do texto. Acabam por torná-lo obscuro. É preciso ser compacto, reduzir tudo ao osso.
Um escritor é sempre autobiográfico?
SIMENON – Eu não sou. Mas alguns são.
Primeiro dever de um escritor?
SIMENON – Tornar-se lido e ser sincero.
De um jornalista?
SIMENON – Idem.
O escritor-personagem nasce só do juízo do público?
SIMENON – O sucesso é determinado pelos leitores.
É mais rara uma vida bem vivida ou bem escrita?
SIMENON – Bem escrita. É melhor, porém, se for bem vivida.
Chegará também para você a hora do Prêmio Nobel?
SIMENON – Se chegar, recusarei.
Por quê?
SIMENON – Os prêmios são como as medalhas, os laços de fita e os penachos que enfeitam as vacas e os touros vencedores nas exposições de animais.
Quem lhe inspirou Maigret?
SIMENON – Os vários policiais que conheci.
Quando nasceu?
SIMENON – Quem?
Maigret.
SIMENON – Em fevereiro de 1929.
Onde?
SIMENON – Num vilarejo holandês de pescadores. Lá, hoje, há um monumento para ele.
Quantos livros você dedicou a Maigret?
SIMENON – Oitenta e nove.
Por que Maigret agradou e ainda agrada tanto?
SIMENON – É um homem comum, como tantos, que sabe compreender, mas não julga.
O melhor Maigret no cinema?
SIMENON – Nenhum.
Como nenhum?
SIMENON – Maigret existiu e existe somente na minha cabeça. É meu, exclusivamente meu.
Por que você o aposentou há sete anos?
SIMENON – Não foi ele o aposentado. Fui eu que me retirei.
Nas suas histórias, não existe o tempo: nem a guerra, nem a resistência, nem a era atômica. Por quê?
SIMENON – O homem, no seu íntimo, não tem nada a ver com a guerra, com a resistência, com a era atômica.
As piores armadilhas do romance policial?
SIMENON – Mas Maigret não é Poirot, e eu não sou Agatha Christie.
Explique-se.
SIMENON – Os romances policiais têm regras bem precisas, enquanto eu não tenho. Na segunda página, posso tranqüilamente revelar o nome do assassino.
Com quantos anos escreveu o primeiro romance não-policial?
SIMENON – Aos 31 anos.
Quantos escrevia, em média, por ano?
SIMENON – Policial, um; não-policiais, cinco.
Nunca renegou uma obra?
SIMENON – Não. Basta não relê-las, como o meu amigo Fellini nunca revê os seus filmes.
Voltaire escreveu Candide em três dias.
Você, em quanto tempo escrevia, ou escreve, um romance?
SIMENON – No início, levava onze dias.
E no fim?
SIMENON – Uma semana.
Usou muitos pseudônimos?
SIMENON – Dezessete.
Quando começou sua autobiografia?
SIMENON – Dia 13 de fevereiro de 1973.
Título do primeiro volume?
SIMENON – Um homem como qualquer outro.
Você?
SIMENON – Sim, eu.
Em que ponto estão suas memórias?
SIMENON – Estou concluindo o décimo nono volume.
O seu autor policial favorito?
SIMENON – Nenhum. Não os leio.
Nem mesmo Agatha Christie?
SIMENON – Nem mesmo ela.
E não-policial?
SIMENON – Refere-se aos meus autores de cabeceira?
Sim.
SIMENON – Antes de tudo, Montaigne.
E depois?
SIMENON – Conrad, Gogol, Tchékhov, Dostoiévski, Faulkner.
Você disse que, se recomeçasse, seria biólogo.
SIMENON – Amo o homem. Quero conhecê-lo e entendê-lo. A biologia ajudaria muito.
Você é considerado um homem de esquerda?
SIMENON – Sou um individualista empedernido.
Os burgueses não o agradam. Por quê?
SIMENON – São convencionais demais, e pouco individualistas demais.
Já fez política alguma vez?
SIMENON – Não. Nunca votei ao menos.
Você diria com Clemenceau: “Quem faz política para valer suja as mãos”?
SIMENON – Com as mãos limpas, não se faz política.
Como nasce a violência política?
SIMENON – Quem não tem o poder político quer tirá-lo de quem o tem. E quem o tem, para protegê-lo, usa agentes provocadores.
Como se extirpa?
SIMENON – Sobretudo extirpando-se os nacionalismos, fomentadores de violência.
O que é, para você, o amor?
SIMENON – A mais bela invenção do mundo: entender-se sem necessidade de palavras.
Quantas mulheres você conheceu biblicamente?
SIMENON – Falaram em dez mil.
E você, o que diz?
SIMENON – Talvez uma a mais, ou uma a menos.
Profissionais ou amadoras?
SIMENON – Muitas jovens atrizes e bailarinas.
É ciumento?
SIMENON – Gostaria de não sê-lo. Mas sempre fui, e o sou. Terrivelmente.
Quando o ciúme impede o adultério?
SIMENON – Casei em primeiras núpcias com uma mulher ciumentíssima, que, depois do primeiro dia de casados, ou da primeira noite, não recordo, ameaçou de se suicidar se algum dia eu a traísse.
E você?
SIMENON – Eu a traí escondido durante vinte anos, odiando-a.
Odiando-a?
SIMENON – Sim, porque não há nada mais humilhante, mais ofensivo à nossa dignidade do que a coerção à mentira.
E vocês se separaram.
SIMENON – Sim, e uma semana depois, ela, que tinha quarenta anos, passou a andar com um garoto de dezesseis.
Você esteve verdadeiramente apaixonado por Josephine Baker?
SIMENON – Eu tinha 22 anos, inexperiente, desconhecido, e ela era ultracélebre. Mas foi uma relação brevíssima.
Como acabou?
SIMENON – Num certo momento, fugi para uma ilha.
Por quê?
SIMENON – Não queria me tornar o sr. Baker.
É mais difícil viver ou conviver?
SIMENON – É melhor conviver. A solidão é atroz. Sobretudo para o homem a quem faltam a força de caráter e o espírito de iniciativa femininos.
Chega-se mais bem preparado ao casamento ou à morte?
SIMENON – A morte é previsível. O casamento, sempre uma incógnita.
As mulheres devem ser tratadas com cavalheirismo?
SIMENON – Sim.
E os homens com amabilidade?
SIMENON – Sim.
É mais fácil entender os outros ou a si mesmo?
SIMENON – A si mesmo.
Você sempre foi ao fundo de si mesmo?
SIMENON – Sou o meu melhor psicanalista.
Nunca deixou alguma coisa pela metade?
SIMENON – Jamais.
Qual é o conselho que lhe foi mais útil durante a vida?
SIMENON – Não julgar nunca. Foi um conselho do meu pai.
Já esteve ameaçado de falir?
SIMENON – Não. Mas tive meus altos e baixos.
O sucesso modificou-o?
SIMENON – Em nada.
Dizem que é um misantropo.
SIMENON – Ao contrário: adoro as pessoas, a vida.
E que é cínico.
SIMENON – Se cínico é quem diz o que pensa, sim.
Quem são seus amigos?
SIMENON – Pouquíssimos.
Diga um.
SIMENON – Fellini. Embora fiquemos meses sem nos vermos, nem nos telefonarmos.
E os seus inimigos?
SIMENON – A minha última mulher. Eu, porém, não a considero assim.
Também para você, como para Voltaire, o trabalho é alegria?
SIMENON – Sim, mas a que preço!
No seu passaporte está escrito "aposentado"?
SIMENON – Não: sem profissão.