quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Transcrevo a interessantíssima entrevista com o grande escritor Georges Simenon. A entrevista foi publicada no site da L&PM Editores. Ganhe uns minutos e leia, cabrones! Leia no 500, ou vá direto ao site da Editora.

É verdade que você é o autor mais lido, depois de Marx?
SIMENON – Segundo as estatísticas da Unesco, sim. Mas, há outros, além de Marx, mais lidos do que eu.

Quais são?
 SIMENON – A Bíblia e Lênin, que são mais lidos do que Marx também. Onde você tem mais leitores?

SIMENON – Nos Estados Unidos e na União Soviética.

Mais mulheres ou mais homens?
SIMENON – Tomando como ponto de referência as cartas que recebo, é meio a meio.

O que lhe dizem as mulheres nas cartas?
SIMENON – Fazem confidências e pedem conselhos.

E os homens?
SIMENON – Contam-me os seus problemas. São, sobretudo, médicos e psiquiatras.

Mais lido pelos jovens ou pelos menos jovens?
SIMENON – Dos treze aos oitenta anos.

Pelos intelectuais ou pelo homem médio?
SIMENON – Por estes e por aqueles.

Como se desenvolve a sua inspiração literária?
SIMENON – Jamais tive inspiração literária.

Você se define como um artesão, eu sei. Por quê?
SIMENON – Porque eu, efetivamente, trabalho como um artesão. Sento-me à mesa de trabalho – isto é, na poltrona – numa hora determinada, trabalho um determinado tempo e, só depois de cumprir o expediente, me levanto.”

Onde termina o artesanato e começa a arte?
SIMENON – É muito difícil dizer.

Por quê?
SIMENON – No artesanato, seguidamente, tem arte, e na arte tem artesanato.

Acredita no estado de graça?
SIMENON – Acredito no escritor se desfazer da sua pele e entrar na pele do personagem.

Ainda diria a frase que disse certa vez: "Não sei e não saberei jamais se tenho talento"?
SIMENON – Sim. O talento é algo que avaliam os pósteros e não os contemporâneos.

Mas o que é o talento?
SIMENON – É a capacidade de inventar um caráter, uma situação, uma paisagem.

Escritor é só aquele que se faz ler?
SIMENON – E quem mais seria?

A desenvoltura faz o perfeito narrador?
SIMENON – Sempre se deve escrever como se fala.

E fácil escrever fácil?
SIMENON – Não. É dificílimo.

E as suas relações com os adjetivos?
SIMENON – Péssimas. Odeio-os, como também detesto os advérbios. Aborrecem-me os enfeites e as lantejoulas do texto. Acabam por torná-lo obscuro. É preciso ser compacto, reduzir tudo ao osso.

Um escritor é sempre autobiográfico?
SIMENON – Eu não sou. Mas alguns são.

Primeiro dever de um escritor?
SIMENON – Tornar-se lido e ser sincero.

De um jornalista?
SIMENON – Idem.

O escritor-personagem nasce só do juízo do público?
SIMENON – O sucesso é determinado pelos leitores.

É mais rara uma vida bem vivida ou bem escrita?
SIMENON – Bem escrita. É melhor, porém, se for bem vivida.

Chegará também para você a hora do Prêmio Nobel?

SIMENON – Se chegar, recusarei.

Por quê?
SIMENON – Os prêmios são como as medalhas, os laços de fita e os penachos que enfeitam as vacas e os touros vencedores nas exposições de animais.

Quem lhe inspirou Maigret?
SIMENON – Os vários policiais que conheci.

Quando nasceu?
SIMENON – Quem?

Maigret.
SIMENON – Em fevereiro de 1929.

Onde?
SIMENON – Num vilarejo holandês de pescadores. Lá, hoje, há um monumento para ele.

Quantos livros você dedicou a Maigret?
SIMENON – Oitenta e nove.

Por que Maigret agradou e ainda agrada tanto?

SIMENON – É um homem comum, como tantos, que sabe compreender, mas não julga.

O melhor Maigret no cinema?
 SIMENON – Nenhum.

Como nenhum?
SIMENON – Maigret existiu e existe somente na minha cabeça. É meu, exclusivamente meu.

Por que você o aposentou há sete anos?
SIMENON – Não foi ele o aposentado. Fui eu que me retirei.

Nas suas histórias, não existe o tempo: nem a guerra, nem a resistência, nem a era atômica. Por quê?

SIMENON – O homem, no seu íntimo, não tem nada a ver com a guerra, com a resistência, com a era atômica.

As piores armadilhas do romance policial?
SIMENON – Mas Maigret não é Poirot, e eu não sou Agatha Christie.

Explique-se.
SIMENON – Os romances policiais têm regras bem precisas, enquanto eu não tenho. Na segunda página, posso tranqüilamente revelar o nome do assassino.

Com quantos anos escreveu o primeiro romance não-policial?
SIMENON – Aos 31 anos.

Quantos escrevia, em média, por ano?
SIMENON – Policial, um; não-policiais, cinco.

Nunca renegou uma obra?
SIMENON – Não. Basta não relê-las, como o meu amigo Fellini nunca revê os seus filmes. Voltaire escreveu Candide em três dias.

Você, em quanto tempo escrevia, ou escreve, um romance?
SIMENON – No início, levava onze dias.

E no fim?
SIMENON – Uma semana.

Usou muitos pseudônimos?
SIMENON – Dezessete.

Quando começou sua autobiografia?
SIMENON – Dia 13 de fevereiro de 1973.

Título do primeiro volume?
SIMENON – Um homem como qualquer outro.

Você?
SIMENON – Sim, eu.

Em que ponto estão suas memórias?

SIMENON – Estou concluindo o décimo nono volume.

O seu autor policial favorito?
SIMENON – Nenhum. Não os leio.

Nem mesmo Agatha Christie?
SIMENON – Nem mesmo ela.

E não-policial?
SIMENON – Refere-se aos meus autores de cabeceira?

Sim.
SIMENON – Antes de tudo, Montaigne.

E depois?
SIMENON – Conrad, Gogol, Tchékhov, Dostoiévski, Faulkner.

Você disse que, se recomeçasse, seria biólogo.
SIMENON – Amo o homem. Quero conhecê-lo e entendê-lo. A biologia ajudaria muito.

Você é considerado um homem de esquerda?

SIMENON – Sou um individualista empedernido.
Os burgueses não o agradam. Por quê?

SIMENON – São convencionais demais, e pouco individualistas demais.

Já fez política alguma vez?
SIMENON – Não. Nunca votei ao menos.

Você diria com Clemenceau: “Quem faz política para valer suja as mãos”?

SIMENON – Com as mãos limpas, não se faz política.

Como nasce a violência política?
SIMENON – Quem não tem o poder político quer tirá-lo de quem o tem. E quem o tem, para protegê-lo, usa agentes provocadores.

Como se extirpa?
SIMENON – Sobretudo extirpando-se os nacionalismos, fomentadores de violência.

O que é, para você, o amor?
SIMENON – A mais bela invenção do mundo: entender-se sem necessidade de palavras.

Quantas mulheres você conheceu biblicamente?
SIMENON – Falaram em dez mil.

E você, o que diz?
SIMENON – Talvez uma a mais, ou uma a menos.

Profissionais ou amadoras?
SIMENON – Muitas jovens atrizes e bailarinas.

É ciumento?
SIMENON – Gostaria de não sê-lo. Mas sempre fui, e o sou. Terrivelmente.

Quando o ciúme impede o adultério?
SIMENON – Casei em primeiras núpcias com uma mulher ciumentíssima, que, depois do primeiro dia de casados, ou da primeira noite, não recordo, ameaçou de se suicidar se algum dia eu a traísse.

E você?
SIMENON – Eu a traí escondido durante vinte anos, odiando-a.

Odiando-a?
SIMENON – Sim, porque não há nada mais humilhante, mais ofensivo à nossa dignidade do que a coerção à mentira.

E vocês se separaram.
SIMENON – Sim, e uma semana depois, ela, que tinha quarenta anos, passou a andar com um garoto de dezesseis.

Você esteve verdadeiramente apaixonado por Josephine Baker?
SIMENON – Eu tinha 22 anos, inexperiente, desconhecido, e ela era ultracélebre. Mas foi uma relação brevíssima.

Como acabou?
SIMENON – Num certo momento, fugi para uma ilha.

Por quê?
SIMENON – Não queria me tornar o sr. Baker.

É mais difícil viver ou conviver?
SIMENON – É melhor conviver. A solidão é atroz. Sobretudo para o homem a quem faltam a força de caráter e o espírito de iniciativa femininos.

Chega-se mais bem preparado ao casamento ou à morte?
SIMENON – A morte é previsível. O casamento, sempre uma incógnita.

As mulheres devem ser tratadas com cavalheirismo?
SIMENON – Sim.

E os homens com amabilidade?
SIMENON – Sim.

É mais fácil entender os outros ou a si mesmo?
SIMENON – A si mesmo.

Você sempre foi ao fundo de si mesmo?
SIMENON – Sou o meu melhor psicanalista.

Nunca deixou alguma coisa pela metade?
SIMENON – Jamais.

Qual é o conselho que lhe foi mais útil durante a vida?
SIMENON – Não julgar nunca. Foi um conselho do meu pai.

Já esteve ameaçado de falir?
SIMENON – Não. Mas tive meus altos e baixos.

O sucesso modificou-o?
SIMENON – Em nada.

Dizem que é um misantropo.
SIMENON – Ao contrário: adoro as pessoas, a vida.

E que é cínico.
SIMENON – Se cínico é quem diz o que pensa, sim.

Quem são seus amigos?
SIMENON – Pouquíssimos.

Diga um.
SIMENON – Fellini. Embora fiquemos meses sem nos vermos, nem nos telefonarmos.

E os seus inimigos?
SIMENON – A minha última mulher. Eu, porém, não a considero assim.

Também para você, como para Voltaire, o trabalho é alegria?
SIMENON – Sim, mas a que preço!

No seu passaporte está escrito "aposentado"?
SIMENON – Não: sem profissão.

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